« back | PROJECTO DE CONSERVAÇÃO
Imagem © Cariátides
O projecto de Conservação e Restauro para as futuras instalações da Sede da Secção Regional do Norte da Ordem dos Arquitectos contempla o diagnóstico de patologias e mapa de danos, assim como a apresentação de proposta de intervenção.
A. Premissas metodológicas A natureza da preexistência arquitectónica, fruto de uma acção das mãos sobre a matéria, prende-se directamente com a capacidade de sobrevivência conseguida por esse acto que, consciente ou inconscientemente quis deixar uma marca da sua passagem no tempo. No entanto o sucesso deste fenómeno não está necessariamente garantido à partida, pois só se completa através do posterior reconhecimento do seu valor. Reconhecimento esse, que se baseia na subjectividade inerente às condições da cultura de cada momento, o que torna a preexistência objecto de reinterpretações e por isso uma potencial obra aberta, consagrando o objecto e o sujeito como elementos que integram a gramática do tempo (ou como refere Jorge Luis Borges integram a história da eternidade enquanto esta é escrita por homens). A noção de património arquitectónico, não pode ter um sentido legítimo se este não for dinâmico. Quer isto dizer que o património não deve ser coisificado (museaficado em formol AGUIAR: 1995), mas pelo contrário, passa pela capacidade que este tem de deixar-se reapropriar, para prosseguir, hic et nunc, o trabalho das gerações passadas dando um sentido de leitura às gerações presentes e futuras -à semelhança da noção de sustentabilidade que pressupõe a equidade de intergerações e intragerações (BREHENY: 1992). Se por um lado a utopia contemporânea é reencontrar o sentido do lugar (F. CHOAY: 2006) é também verdade que, como afirmava Carlos Alberto Ferreira de Almeida(1993), "património é qualidade e memória. Sem qualidade intrínseca ou circunstancial não haverá fundamento para que um testemunho-memória tenha que ser conservado ". Procura-se, na razão proporcional do que nos é dado a compreender pela preexistência, permitir que esta se revele na sua autenticidade não apenas física (integrando a dimensão formal e estrutural da mesma) mas também sígnica onde o programa arquitectónico joga um papel definidor do seu sentido de ser arquitectura. Assim, o papel do projecto de conservação integrada, entendida como tratamento (conservação, restauro e reabilitação) das construções de modo a torná-las utilizáveis no quadro da sociedade moderna, ganha a dimensão ética que lhe é exigida, reportando-nos à experiência da alteridade de Arthur Rimbaud. Eu sou um outro. O programa arquitectónico impeliu-nos a pensar este projecto como uma intervenção que assenta numa reflexão mais ampla em torno dos conceitos de matéria e imagem da arquitectura entendidos numa dúplice aproximação crítica: a matéria identificada pela construção de um espaço (o edifício e a sua inserção num contexto histórico e urbano) e a imagem enquanto identidade desse objecto arquitectónico. Neste sentido projectar transformou-se num exercício de diálogo com as preexistências. Olhando essas preexistências fomos levados a reflectir sobre os conceitos de “lacuna” e de “acrescento” inerentes ao processo de estratificação que o conjunto arquitectónico sofreu. A lacuna aqui entendida como a “arquitectura perdida” e os acrescentos enquanto elementos, que sendo dissonantes, alteram o traçado arquitectónico sobre o qual se opera a intervenção de forma crítica: projectar é então um acto de modulação do espaço que permite dar uniformidade e consistência aos diferentes elementos percepcionáveis, mas também qual “trattegio”1 não se sobreponha à imagem de espaço consolidado e se integre serenamente no existente. Com o novo projecto procura-se não só resolver o novo programa mas igualmente clarificar o discurso arquitectónico do conjunto. O projecto de arquitectura suportado pela conservação integrada equaciona-se assim como um metadiscurso que, partindo do programa proposto – que é matriz de orientação -, se traduz numa reflexão sobre o todo e a parte. Neste sentido o projecto não impõe por isso uma leitura única. Antes, procura com a aposta numa estrutura unificadora para a intervenção, dialogar com as preexistências numa operação de intervenção que sublinhe a sua autonomia (BRANDI: 1972). Se “a arquitectura é uma mistura de nostalgia e antecipação extrema” (J. BAUDRILLARD) então os laços com a utopia são afirmados e confirmados pelo projecto. Neste contexto conceptual com o qual nos identificamos a metodologia de intervenção por nós defendida radicou o seu referente primeiro no diagnóstico preliminar dos dois edifícios que compreendem o estudo aprofundado das suas características, da sua história, dos materiais que o compõem, das formas de alteração estrutural e de degradação, as quais foram complementadas por estudos científicos2. 1 Refere-se aqui o termo trattegio com referência à técnica de reintegração das lacunas usada no restauro de pintura, onde se procura reintegrar a parte em falta evitando que a intervenção ganhe mais força perceptiva que a imagem da obra. (MORA 1978; BONELLI 1982; BRANDI 1980; PHILIPPOT 1984). 2 O Diagnóstico é a fase inicial de qualquer intervenção de conservação e restauro pois permite definir as patologias e suas causas, recorrendo-se à análise de amostras, monitorização do edifício (em termos de estabilidade, humidade), qualidade e características do aparelho construtivo, etc. B. Princípios gerais da intervenção de conservação integrada Segundo a Carta de Cracóvia (2000) “a conservação pode ser realizada mediante diferentes tipos de intervenção como o controlo ambiental, a reparação, a renovação e a reabilitação” e é feita segundo um projecto que “deve basear-se numa gama de operações técnicas apropriadas e preparadas segundo um processo que integra a recolha de informação e o conhecimento profundo do imóvel e da sua localização” assim sendo a avaliação geral do edifício e intervenção de conservação radicam na apreensão de alguns dos princípios abaixo referidos: Diagnóstico Foi realizado um mapa de danos e patologias (traduzido em fichas de diagnóstico), de onde se faz o reconhecimento de alterações que interferem na leitura do objecto arquitectónico e avaliam-se as acções que permitem a reabilitação do conjunto. Testes Gerais Antes da intervençãosão realizados testes de modo a definir cada intervenção técnica a realizar. 1.1. Análises laboratoriais para definição de constituição de argamassas 1.2. Análises laboratoriais para definição de pigmentos e cores 1.1. Testes de limpeza de pedra de tipo mecânico e químico 1.4. Testes de consolidação de argamassas 1.5. Testes de argamassas para rebocos interiores e exteriores (tipologia de inertes, texturas, cor) Intervenção em rebocos Para os rebocos à base de cimento preconizou-se a sua remoção e substituição por argamassas à base de cal. Para as zonas de reboco “histórico”, que apresentam bom estado de conservação preconiza-se a reintegração de lacunas com recurso a argamassa de cal determinada por análise laboratorial e cobertura com tinta de cal (aditivada com fixador3) ponderando-se a possibilidade de utilizar tintas de silicatos (que permitem um comportamento próximo da cal) e cujo pigmento será escolhido com base no estudo de cor a efectuar. A escolha do traço e composição da argamassa a aplicar será determinada por análise química das argamassas “históricas” e de acordo com os seguintes parâmetros: a) Semelhante coeficiente de dilatação para evitar esforços mecânicos micro estruturais tendo por referência a seguinte tabela: b) Baixo índice de retractabilidade para evitar na fase de endurecimento a fissuração e posterior degradação interna;
c) Permeabilidade da superfície de suporte. Limpeza, consolidação e protecção de materiais de pedra Os trabalhos de limpeza de um material pétreo consistem numa série de operações voltadas à remoção de substância estranhas à superfície, patogénicas ou geradoras de degradação. Para executar estas operações recorre-se a métodos físicos e mecânicos que devem ser empregues com diferente grau e intensidade em função do tipo de substância que se quer retirar, da natureza do material pétreo e sobretudo do estado de conservação do objecto a limpar. Por tais motivos a limpeza resulta duma operação completa e delicada que necessita de uma cuidada análise do quadro patológico geral, de um aprofundado conhecimento do estado específico de degradação e da avaliação da consistência física do material. Será por isso excluída qualquer técnica ou produto que não tenha sido testado previamente. Em todo o caso a intervenção de limpeza terá exclusivamente a finalidade de eliminar apenas as patologias que provoquem posteriores degradações, sem preocupar-se em melhorar e/ou modificar o aspecto estético e cromático do objecto. Uma boa parte dos sistemas de limpeza geram uma acção sempre agressiva em relação aos materiais e que por isso acaba por atacar a integridade de obra. Consciente deste risco o técnico deve preparar cada intervenção cuidadosamente de forma a realizar a operação partindo sempre de uma acção mais suave e gradualmente ir realizando as mais fortes e eventualmente mais agressivas, de forma a poder controlar a patine. Ao natural e irreversível processo de formação das patines superficiais (considerando-se apenas as transformações cromáticas e não as de deterioração) substituíram-se, nas últimas décadas mecanismos de profunda alteração devidos a substâncias poluentes presentes na atmosfera. Estas substâncias interagem com a água e com os materiais porosos. A formação de crostas e a desagregação superficial dos elementos de pedra são o resultado evidente de tal interacção. A limpeza dos materiais porosos, deve antes de mais, remover da sua superfície as substâncias patogénicas (crostas negras, eflorescências, manchas) respeitando a patine natural (onde ainda exista). No caso de se dever intervir em materiais profundamente degradados, o tratamento de limpeza deve ser cuidadosamente calibrado de modo a não provocar posteriores degradações do objecto. O técnico não deve pois retirar os fragmentos enfraquecidos, desagregados ou esfoliados, não deve activar (utilizando água e produtos químicos) a formação de substâncias que podem resultar danosas, e perante tais evidências deve parar e recorrer a técnicas de consolidação do material e apenas depois poderá realizar a intervenção de limpeza. Para remover depósitos de materiais incoerentes são necessários sistemas mecânicos suaves; aspirador, escovas de fibra vegetal (menos incisivas do que as de material sintético), ligeiros sopros de ar comprimido, etc. Estes métodos podem ser integrados por recurso a bisturi. De forma a operar uma correcta escolha do sistema de limpeza mais adequado a cada caso é necessário ter em conta os critérios abaixo referidos: Importância histórica e arquitectónica do objecto; O estado de degradação da pedra; em muitos casos pode ser muito avançado e Antes de proceder à limpeza deve-se realizar uma adequada pré-consolidação reversível das partes superficiais; A natureza da crosta e dos depósitos a remover; A forma e a configuração da superfície a tratar (parede lisa, baixo relevo, etc.); 5. Tratamento de eflorescências salinas O sal pode ser transportado pela água que em estado líquido penetra nos materiais hidrófilos. Outros materiais há, que sendo higroscópicos, contêm na sua estrutura química sais solúveis que, com a entrada da água (em estado gasoso) e sua condensação, passam a circular no interior do material indo ocupar os poros maiores à semelhança dos cristais de gelo. Com o ciclo de secagem, os cristais endurecem e começam a exercer uma força mecânica forte do interior para o exterior. Os danos do tensionamento criado pelo cristal de sal são sempre proporcionais à capacidade de resistência do material a força exercida. Há casos em que o sal se forma fora do material e ao que se dá o nome de eflorescência salina. Este fenómeno de formação exterior do cristal de sal acontece quando se atinge o nível de equilíbrio entre capilaridade/evaporação e a água contendo sais solúveis é atraída para o exterior formando-se na superfície a deposição dos cristais de sais. Este fenómeno é relativamente grave pois a saída para o exterior dos sais reduz o tensionamento interior. No entanto é na zona superior a esta em que, verificando-se uma evaporação menor, que se criam os cristais no interior do material, subflorescência salina, criando-se um tensionamento e consequente a erosão da superfície. Estes depósitos não são estáveis transformando-se com o tempo em função da temperatura e humidade do ar. Pode evitar-se a degradação do material mantendo a humidade relativa do ambiente acima ou abaixo dos valores críticos, todavia a questão não é simples porque apenas se conhecem as humidades relativas para os sais puros sendo mais complexo o comportamento de misturas salinas como as que se verificam normalmente nas situações patogénicas. Torna-se assim importante o estudo aprofundado das causas que desencadeiam e favorecem o aparecimento desta patologia de forma a levar a cabo as intervenções mais adequadas de modo a retardar o processo degradativo em curso. 6. Intervenção em elementos de madeira Recuperações de elementos de madeira como sejam as caixilharias, sendo que nos casos em que o revestimento existente não seja quimicamente adequado esta deverá ser retirado e aplica um novo mais compatível. A possibilidade de utilização de tinta de óleo será ponderará após avaliação laboratorial. No caso das estruturas portantes que apresentam um estado de degradação mas que podem ser recuperadas preconiza-se o tratamento dos elementos degradados, nomeadamente os que se encontram atacados por xilófagos ou por presença de fungos, pela impregnação com insecticida não tóxico para o utilizador para tratamento e prevenção do ataque de xilófagos e desenvolvimento de fungos, a sua consolidação e reforço recorrendo à colagem de elementos em madeira com resinas epóxidas ou aplicação de perfis metálicos sobrepostos à estrutura de madeira e aparafusados com parafusos inoxidáveis ou cavilhas de madeira. O reforço pode ser complementado efectuando injecções à base de resina. 7. Introdução de novos elementos Verificando-se a necessidade de utilização de tecnologias contemporâneas para dar resposta ao programa ou a razões de reforço estrutural, defende-se que estas devem obedecer ao princípio da compatibilidade entre as partes, procurando salvaguardar que os pontos de contacto respeitem as características intrínsecas da preexistência, através da redução de sobrecarga estrutural ou de incompatibilidade material (tendo por referência a compatibilidade de coeficientes de dilatação, a propensão que certos materiais têm para favorecer a migração de sais ou alterar as características higroscópicas dos elementos). Gabriella Maria Casella Concreta, Porto, 22 de Outubro 2009 |
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